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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Pandora em nosso pandeiro – Pandora é aqui, parte 2



Por George W B Cavalcanti


Nesses novos tempos de derrocada ambiental, aos quais adentro na condição de sexagenário – quando o instigante prefixo (sex) serve como lembrete – e me apaixono pela ecologia; essa corpulenta e delicada dama azul de grandes olhos voltados para a vida. O filme “Avatar” me traz a memória, com uma nitidez impressionante, as noites sem iluminação elétrica no burgo alagoano, quase quilombola ainda, da minha infância. Quando eu corria pelo Beco do Coité (situado por trás do prédio da drogaria dos meus pais) caçando passarinhos; ao desatolar dos meus pés serelepes no massapé de barro vermelho.

Trata-se de um, digamos, efeito especial extra e muito pessoal. Com o qual eu torno a sentir a brisa fresca das noites nas quais fruía o hálito ecológico e floral da mata atlântica, àquele tempo ainda em nosso derredor. Quando, ao avançar do manto noturno, a neblina que se formava na copa das árvores altaneiras da histórica Serra da Barriga, descia solene e sorrateira lambendo a serpente líquida do rio Mundaú. E, a todos ofertava, em cada chance, um misto do frisson da “Troia Negra” com um tanto de “banzo” da necessidade de conciliar o sono.

A cada lufada daquela brisa úmida ficávamos prenhes de refrigério físico, mental e emocional; pelos aromas da mata, do rio e das campinas – a premiar os nossos sentidos com uma infinidade de significados de vigor primaveril. E, tanto fazia se estávamos a contemplar o campo ou a cidade; se ao passeio público, ao recolhimento pudico, ou, à intimidade púbica. Aquelas noites eram fascinantemente luminosas; clareadas que eram por luares portentosos, que percebíamos e degustávamos num misto de intimidade e cumplicidade.

Havia uma natural rotina em nos surpreendermos com o impressionante daqueles tons de azuis e sombras entre o fantástico e o fantasmagórico. Nos causos e estórias de assombração que, invariavelmente, alguém começava a contar prenunciando à hora de recolhimento das crianças aos berços. Àquela altura éramos todos “azuis”; porque os matizes e as tonalidades do azul globular terreal inundavam com um quê de surreal àqueles tempos de nossas vidas.

Porque, por outro lado, o progresso – dúbio e conflituoso que é – já esboçava sua presença. Cobrando, como de praxe, o seu altíssimo preço ao santuário ecológico da terra de Zumbí dos Palmares. Afugentando para bem distante; para o seio amazônico, o que hoje percebemos como a nossa extinta Pandora. Não mais haveria aquela cinematográfica mistura de mistérios e brilhos de luar a apascentar os locais, a nos lembrar os nativos, a nos deixar a escutar os antigos.

Hoje, quando ao prenúncio da madrugada insone, reflexivo e contrito perambulo por meu quintal. Paro um pouco e busco os ecos naturais daqueles tempos e as reminiscências azuis de seus cenários. Mas, quase já não percebo os silvos, os pios e os gorjeios noturnos; a sinfonia azul que, no passado, o ambiental orgânico entoava.

Agora restam em outras paragens, se fazendo ecoar em longíquas naves arbóreas florestais. Acuados entre biomas isolados e cristais digitalizados; nos cenários virtuais em 3D. Mas, ainda assim e sempre, a resistir brava e naturalmente à ação de “civilizados” humanos, em sua busca por um improvável futuro.

(continua)

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