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domingo, 8 de fevereiro de 2009

Introdução à botica, episódio 2 – ‘circenses’, 2ª parte

Por George W B Cavalcanti


Havia alguns dias uma vistosa e barulhenta 'fobica' – de lustrosos bojos e opulentos faróis – equipada com enormes bocas de ‘auto-falante’ anunciava por toda a cidade e vizinhanças a chegada ‘para breve’ – nunca em uma data exata porque as estradas eram péssimas – de um famoso grande circo com atrações ‘estrangeiras’ e até, pasmem, feras africanas e seus destemidos domadores. A expectativa era geral e o vento morno dos trópicos colaborava, espalhando um frisson na criançada que corria atrás da geringonça antegozando as emoções do picadeiro. Mas, em meio às correrias e pinotes, se mantinham em estado de alerta para com quaisquer figuras que fugissem a tipologia nativa ou tivesse algum aspecto alienígena.

Coincidentemente, o meu pai, minha mãe e o meu irmão mais velho formavam uma pequena trupe que à brejeira observação apresentavam um padrão incomum e com certeza estrangeiro e artístico –; a avaliação inicial era: só podiam ser embaixadores do anunciado ‘gran circo' e, não era para menos. Até porque o menino chegara vestindo calças curtas de legítimo tropical inglês ‘risca de giz’, conjunto de suspensórios e cinturão em couro legítimo, sapatos bicolores, meias de seda, camisa de Jersey e cabelo à ‘Jacques Dennis’ com seu característico topete. Parecia o típico pequeno lord inglês dos filmes em branco e preto que assistiam no abafado cinema local –; quando havia suficiente energia elétrica da problemática unidade geradora mantida pela prefeitura.

O meu pai então um bem apessoado descendente de italianos e portugueses do ‘sefarad’ ibérico apresentava um físico avantajado para a estatura, uma vez que durante bastante tempo se dedicara ao fisiculturismo pelo método ‘Charles Atlas’ e com ‘Remosan’ – este, um equipamento de remo no seco –, o que lhe conferira notável robustez e definição muscular. Aquela tamanha aparência era encimada por uma vasta e sedosa cabeleira, cuidadosamente cultivada com o uso regular do tônico capilar ‘Vitallis’ das propagandas do rádio. Resultando que, compararam os pulsos dele às partes mais grossas do antebraço de um homem comum.

Já a esposa, ou seja, a minha mãe, no fulgor dos seus vinte e poucos anos, era uma bela flor que desabrochara toda sua graciosidade ‘sefaradim’ herdada de suas ancestrais ibéricas –; e, portanto, apresentava uma tez moreno-clara uniforme e acetinada. Sua fisionomia delicada de sorriso perfeito e recatado – idêntico aos ‘reclames de pasta de dente’ – era emoldurada por fartas madeixas –; e, a ressaltar-lhe o lânguido olhar suas bem delineadas sobrancelhas e cílios negros “como as asas da graúna”. Além do mais, a jovem senhora era dona de um torneado corpinho capaz de dar inveja a manequim de modista.

No pequeno hotel logo após a chegada dos incomuns hóspedes as serviçais da casa já se esgueiravam entre cochichos, mal disfarçando os seus olhares esbugalhados de curiosidade face ao exótico núcleo familiar oriundo da fascinante cidade de Recife –; então a mais promissora capital da região e terceira cidade mais populosa do país. O trio notável se dividia em atenções e a curiosidades para com a cidade que consideravam a nova seara para seus próximos anos. Assim, trataram de retirar a poeira e o enfado com um bom banho e, juntos, saíram ao centro urbano para um périplo de reconhecimento e adaptação.

Não foi outra a postura senão cumprimentar gentilmente os passantes a grosso, varejo e a granel e, não deu outra... Olham uns daqui, chamam umas dali, correm outros acolá -; e, não demorou muito, a noticia das exóticas presenças ‘no comércio’ correu meio mundo com rapidez e resultados hilários, para dizer o mínimo. Vendedoras das lojas correram para as portas – seguidas pelas patroas –, servidores públicos encerraram mais cedo os expedientes. E, formavam aglomerações curiosas com uma dissimulação acintosamente indiscreta – todos ansiosos pela primazia em ver os supostos integrantes da tão aguardada grande companhia circense nunca dantes vista por aquelas plagas.

O clima reinante era de puro e criativo devaneio coletivo que, naquele tempo - num misto de alienação e ingenuidade -, a imaginação interiorana ainda proporcionava.


(continua proximamente)

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