O Edifício Liberdade na Avenida Treze de Maio, local onde três prédios desabaram no dia 25 de janeiro é mais um dos muitos emblemas das históricas tragédias deste país e que, neste sentido passam quase despercebidos para uma massa populacional desatenta quanto a essas simbologias. Vítimas que são da baixa média da própria superficial escolarização, quando não do fútil nível de interesse e desinformação. Nisto contando com importante parcela de culpa da chamada "grande mídia" que, enredada como sempre na preocupação de não perder as gordas contas publicitarias - principalmente as governamentais -, tem como política e prática notória jamais comentar a fundo esses dramas. Ou, abrir espaço para o debate filosófico e conceitual sobre as causas e consequências dessas recorrentes tragédias.
Interessante também é notar que as edificações que ruíram fragorosamente umas sobre as outras - como uma fileira de peças de dominó verticalmente dispostas - não estavam em um subúrbio qualquer. Ou em área de pobreza de algum rincão pouco acessível e obscuro; dos muitos quase que ainda imutavelmente existentes por este país afora. Mas, pelo contrário, eram situados no coração da capital do segundo estado da federação em importância econômica e política. E, mais, em seu centro cultural e, vizinhas do prédio deo mais tradicional teatro deste país; e, isto, também é muito simbólico. Evidenciando que, até mesmo na Cidade Maravilhosa, a "boca de cena" da tragédia predomina fora do seu Theatro Municipal e não dentro dele; pelo que, a metáfora torna-se inevitável.
A ópera bufa, desse pátrio costume de adotar o descaso e o desleixo como cultura, é encenada no palco de operações da nossa cidadania desde o princípio da nossa nacionalidade. E isso há muito está a merece um geral, rotundo e definitivo basta; até porque não há nenhuma graça em teatrais diálogo de surdos. Visto que, essa filosofia de progresso - ou melhor, a falta dela - nesse modo popular e rotineiro de inépcia na administração pública, a cada dia prejudica o país em maior escala. Até por força da densidade populacional e da dinâmica econômica, do barranco ao barroco o preço cada vez mais caro em dor e luto. São famílias emocionalmente destroçadas ou literalmente destruídas, e, isto, sem exceção de qualquer natureza; do professor ao catador de recicláveis, do zelador ao advogado. Todos alcançados pelo mesmo infortúnio.
Mata-se ao advogado, como o Nilson Assunção Ferreira, de 50 anos que foi enterrado no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, por volta das 16h30 desta sexta-feira (27); e que trabalhava em um dos três prédios que desabaram no Centro da cidade do Cristo Redentor, na noite de quarta-feira (25). Assim como, mata-se ao Cornélio Ribeiro Lopes, de 73 anos, que trabalhava havia 20 anos como zelador do prédio de 20 andares que igualmente ruiu, e que foi enterrado por volta das 15h desta sexta-feira (27), no cemitério São João Batista, em Botafogo, na Zona Sul; conforme amplamente divulgado pela mídia. Estes, alguns dos mártires de uma pouco inteligente escala de valores; que inclui o gerenciamento irresponsável e o patrimonialismo renitente.
Em mais essa tragédia - que tem com pano de fundo o famigerado e fatídico "jeitinho brasileiro" -, que nos perdoe as famílias enlutadas por citarmos a nomes e resumirmos a perfis de seus entes queridos; de perda irreparável. Porque, ao meu ver, em um acontecimento lastimável como este nunca é demais dar nome e sobrenome às respectivas vítimas. E entendo que, nessas transtornadoras ocasiões, seja de somenos importância arguir ou argumentar sobre as causas comezinhas de sempre. Há é que se conseguir maior efetividade na sensibilização dos corações e mentes dos que são pagos para fiscalizar as construções e reformas em edificações. Requeridas fator demográfico e pelo progresso; e, a depender do cumprimento das leis.
Também vale transcrever aqui o comentário de um amigo de uma das vítimas, em trecho de uma das muitas entrevistas avidamente colhidas e divulgadas pela grande imprensa - especialmente a televisada -; em seu explicito e despudorado desvario mórbido por audiência: "Era um homem que prestava serviço a todos. Era um cara que dedicava realmente aos irmãos, à família, ao pai e ao pessoal todo que está aí. Você vê que o enterro dele tem bastante gente por ele ser um cara bom. Foi uma perda muito grande e ele vai fazer uma falta enorme perante a gente. Um camarada novo, que estava sempre junto com todos, um homem de igreja, um homem temente a Deus”. Que pujante lamento por todas as classes de brasileiros, ali vitimadas!
Evidentemente que, considero ser de um grande cinismo esse uníssono na mídia a conjecturar "abobrinhas" sobre as prováveis causas estruturais e arquitetônicas do desastre. Não colocando em pauta o debate amplo e irrestrito sobre as omissões e irresponsabilidades assassinas que emolduram a cena. E, como se já não bastasse o dolo no sobrepeso fatal das inépcias implícitas e explícitas; quatro funcionários de uma concessionária prestadora de serviço furtaram pertences de vítimas dos desabamentos. Como se vê, não resta dúvida de que a contumácia do saque é endêmica, porque cultural; e este é o primordial ponto a ser abordado. E que, portanto, urge uma análise critica da tragédia em suas raízes históricas, sociológicas e educacionais.
Não sei se neste próximo tríduo momesco algum brasileiro, e especialmente os nossos compatriotas cariocas, terão coragem de cantar o refrão do samba-enredo consagrado em outros carnavais: "Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós; que a voz da liberdade seja sempre a nossa voz". Porque, a voz do Edifício Liberdade e dos dois prédios anexos ao mesmo, emerge desde no sangue das suas vítimas e no luto das famílias. E, clama por justiça e por um amplo ajustamento de conduta dos que são bem remunerados para as pertinentes fiscalizações; mas, que tragicamente não o fazem a contento. Quando, então: a polícia abre inquérito, o governador decreta luto oficial em memória dos mortos e a assessoria de imprensa informa que o município fará o mesmo...
Com o favor do Eterno, aqui estaremos vigilantes contra a "cultura" do relaxamento, do desleixo, do desmazelo e da omissão. E, sem sucumbirmos à tradição caduca e à contumácia desse vício nacional, que tanto prejuízo causa aos patrimônios público e privado em nosso país. Assim como nos posicionando sempre contra esse vicioso jogo azarado de ruína moral e material; qual tosco dominó comportamental. Que derruba suas pedras umas sobre as outras, e cujos perdedores, em sequência, terminam na condição de indefesas e pranteadas vítimas. Enfim, que o grito desde os Liberdade e anexos se faça ecoar decisivamente no recôndito das consciências para o devido e amplo ajuste de conduta em nossa história.
(Ilustrações - fonte: Google Imagens)
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